20071017

Santiago e os tempos da vida

Análise sobre o filme Santiago, de João Moreira Salles


Vídeo I – Prof. Flávio Britto – 2° Semestre de 2007 - Lucas Camargo de Barros


Todos os planos de Santiago têm um só objetivo: encontrar seu diretor. Talvez nesse sentido seja uma obra extremamente egocêntrica, mas não menos reveladora da condição humana. Ao ir atrás de si mesmo, João Moreira Salles nos ajuda a nos analisar também.

João Moreira Salles iniciou sua carreira no audiovisual fundando em 1987, junto com seu irmão mais velho, Walter, a produtora carioca VideoFilmes, inicialmente especializada em documentários para televisão. Salles se destacou internacionalmente com o documentário sobre a guerra entre a polícia e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro, Notícias de uma Guerra Particular. O filme, co-dirigido com Kátia Lund, conquistou diversos prêmios e deu maior visibilidade ao cineasta e também ao documentário brasileiro.

O primeiro documentário do cineasta exibido nos cinemas foi Nelson Freire, sobre o pianista brasileiro. Depois deste, veio Entreatos, uma crônica sobre a candidatura vitoriosa de Lula à presidência, lançado simultaneamente com Peões, dirigido por Eduardo Coutinho.

João agora se dedica à edição da revista Piauí e leciona em duas faculdades. Anunciou a feitura de um documentário que também remete a si e que retrata a viagem de sua mãe à China durante a Revolução Cultural.

Um espelho

Santiago é fruto de um filme inacabado sobre o mordomo Santiago Badariotti Merlo que serviu a família Moreira Salles durante toda a infância e adolescência de Salles. O filme-semente foi rodado em 1992, com um Santiago já aposentado e sempre enquadrado em seu pequeno apartamento no Rio de Janeiro. Rodado em preto e branco, com fotografia de Walter Carvalho, o material bruto dialoga o tempo inteiro com a locução gravada pelo, não menos íntimo da situação, irmão de Salles, Fernando. As imagens transbordam uma intimidade que pouco se vê entre um entrevistador e seu entrevistado. Os diálogos diretos entre aquele que vemos e aquele que tenta não se mostrar, é o que há de mais revelador no longa-metragem.

Ao se expor de tal maneira, João coloca em xeque um formato de documentário que ele mesmo já foi partidário. Em suas próprias palavras, ele afirma “não querer seguir pessoas com uma câmera e esperar para ver o que acontece”. Essa decisão está explícita em Santiago, pois a busca não é mais física, mas sim psicológica. Parece que plano a plano vamos conhecendo mais o cineasta e o entrevistado, sempre interligados. Os personagens são colocados frente a frente e se relacionam em uma espécie de jogo de espelhos, sempre refletindo mais sobre o outro do que dele mesmo.

Vidas

Todos enquadramentos lidam com a solidão de Santiago e com a nostalgia, misturado com a possibilidade de sempre querer ter sido mais. A vida dedicada a outras vidas vai ficando cada vez mais melancólica no decorrer do filme. Santiago vai sendo exprimido pelas suas próprias memórias e pelas paredes de seu apartamento; pela sua própria personalidade e pela direção do cineasta. “O tempo não tem consideração”, afirma o personagem. E ele tem razão. O tempo é fator fundamental para o entendimento do longa-metragem. Entender como o diretor lida com o tempo e como ele crê na sua própria evolução como cineasta.

O caráter metalingüístico, inevitavelmente comparado à Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, gera um filme ainda mais interessante. A afiada crítica com que Salles analisa o material de 92 só enriquece o resultado final. Assistindo o filme-semente, Salles enxerga um peso gigantesco de opressão de sua parte. Fica evidente ao longo do filme, e é ainda verbalizada no final, a relação patrão-empregado mesmo havendo um caráter familiar entre o observador e o observado. João tenta se redimir exprimindo tal situação, no entanto, é importante ler a imagem como uma representação mais generalizada, como algo que ocorre em nossa sociedade. Fala-se sobre como houve uma usurpação por parte do cineasta, um uso do mordomo para falar de si. Entretanto, é inegável que um filme diz muito mais sobre seu realizador do que sobre o assunto ou personagem retratado.

Os planos do corredor da Casa da Gávea (outra personagem de peso no filme) talvez explicitem o vazio no qual João se encontrava no momento da remontagem do documentário. O filme, para ele, é sem dúvida necessário. É um filme analítico que confronta um cineasta com ele mesmo e o seu modo de fazer cinema. Mas não só isso. O filme é sobre a relação humana com a morte, o esquecimento e com as possibilidades de vida, que, pelo menos para Santiago, não tem que ser uma só.

SANTIAGO
Brasil, 1992/2006
Direção e texto:
JOÃO MOREIRA SALLES
Diretora assistente: MÁRCIA RAMALHO
Fotografia: WALTER CARVALHO
Montagem: EDUARDO ESCOREL, LÍVIA SERPA
Som direto: JORGE SALDANHA
Narração: FERNANDO MOREIRA SALLES
Produção executiva: MAURICIO ANDRADE RAMOS
Elenco: SANTIAGO BADARIOTTI MERLO, JOÃO MOREIRA SALLES
Duração: 79 minutos

20071009

Onde o pai cura e o filho pira

RESENHA APRESENTADA À FUNDAÇÃO
ARMANDO ALVARES PENTEADO
professor Flávio Brito
Vídeo I

escrito por
FLORA REFOSCO
3ª. fase de Cinema diurno
Outubro de 2007




Em uma pequena cidade do norte de Santa Catarina, há 17 anos foi criado um clube de rock.
Guaramirim, habitada por aproximadamente 24 mil pessoas, tem sua economia baseada na agricultura, mas também no turismo. E este turismo tem aumentado desde 1990, ano em que Evair Nicocelle fundou o Curupira Rock Club.
No vídeo “Onde o pai cura e o filho pira”, o músico e jornalista blumenauense Gustavo Moura explica e conta a história do clube. O documentário foi feito em 2006 como trabalho de conclusão da graduação de jornalismo que Gustavo cursava na UNIVALI.
Há anos Gustavo participa do Curupira; não apenas como público, mas também se apresentando com sua banda, Stuart, onde toca guitarra e é vocalista.
Digo “participa” porque o clube funciona praticamente como um coletivo.
Declarações dadas ao longo do vídeo por músicos que costumam tocar lá, pelos produtores que já organizaram shows no local, por freqüentadores constantes, explicam melhor esta colocação.
O local onde o clube está instalado era um sítio da família de Evair. O que havia lá era o mesmo que costuma haver em qualquer sítio: pasto, vacas, hortas...
Contudo, Evair, que já tinha tido um bar no centro da cidade, queria criar um espaço para reunir as pessoas para fazer festa e, principalmente, reuni-las em torno da ecologia.
A princípio, a idéia nem era fazer do Curupira um clube de rock, mas alguns amigos de Evair que passaram a freqüentar o lugar acharam que um galpão num lugar meio afastado, cercado de verde, com um campinho de futebol ao lado, seria perfeito para fazer encontros de rock. Deram-lhe a sugestão, que foi logo aceita.
O bar e a parte de shows era administrada por Evair e a família, mas como o interesse principal dele era a ecologia – que, aliás, é o motivo do nome do clube, em referência à lenda - a organização de shows ficava por conta dos amigos que haviam sugerido utilizar o local para shows.

Duas figuras importantes entre estes organizadores são Tito (Dietmar Hille, artista plástico que também já teve sua banda, a Kontra Ordem) e Edson Souza (vocalista da extinta The Power of the Bira).
Eles chamavam as bandas, arranjavam equipamento de som, chamavam público, divulgavam.
Juntos, os dois tinham a loja Abrigo Nuclear Records, que oferecia discos e fitas difíceis de encontrar, camisetas e afins.
A loja chegou até a lançar um CD com selo de mesmo nome, trilha sonora para o filme “Caquinha Superstar A Go-Go”, de Peter Baiersdorf (outro catarinense que produz contracultura: ele dirige filmes trash em sua cidade, Palmitos).
Retomando o que foi dito acima, todos que se interessavam pela música de garagem, por zines, por se reunir com pessoas com quem pudessem conversar os mais variados assuntos, iam parar no Curupira, pois a idéia era participar e fazer funcionar. Quem tinha alguma coisa com quê contribuir, contrubuía. E é nesse sentido que o clube funciona mais ou menos como um coletivo.

As bandas locais eram convidadas a tocar através de cartas e telefonemas, e como diz o músico Alexandre no vídeo, “tudo o que a gente queria era um lugar pra tocar”.
Em 1992 foi quando aconteceu o primeiro show, e desde então houve festivais, shows de bandas importantes – nacionais e internacionais - e muito vai-e-vem de gente, material e, principalmente, intercâmbio cultural. Havia shows em praticamente todos os finais de semana, e não de apenas um estilo musical, mas vários, e todos juntos.
Em 1994, ocorreu o I ECONCIECO, encontro da consciência ecológica. Mas, gradualmente, a preocupação ecológica – que era o foco principal do lugar – foi deixada de lado, e o Curupira passou a ser templo apenas da música, para frustração de Evair.
Ocorria lá, anualmente, o Encontro da Cultura Underground, uma espécie de junta-tribo local, que atraía gente dos arredores, com os mais diversos interesses e gostos. O evento teve diversas edições e atualmente deu lugar ao Brazuca Noise Festival. Nesse meio-tempo, houve algumas edições do Take Five, um festival que ultimamente não tem acontecido, mas que durava um dia inteiro e no qual qualquer banda tinha o direito de se inscrever para tocar cinco composições. As inscrições eram feitas no próprio local, assim como a decisão da ordem de quem ia tocar.

É uma ótima fórmula para se conhecer diversas bandas ao mesmo tempo, e deixar todo mundo participar.
Guaramirim começou a ser, de repente, freqüentada por jovens de diversas tribos, cada um com suas idéias e visual particulares.
Eram vários meninos “cabeludos, vestidos de preto, com aqueles braceletes” chegando na rodoviária. Mas por sorte - como diz o atual prefeito da cidade, Mário Peixer -, “não foi o Curupira que se adaptou a Guaramirim, foi Guaramirim que se adaptou ao Curupira”.
A princípio houve preconceito, e ainda há um pouco, de gente que nunca esteve lá para ver como é e inventa as histórias mais absurdas a respeito do lugar: que é imoral, satanista. A própria militância ecológica de Evair contribuiu para arrumar briga com a vizinhança, por causa de denúncias que ele fez ao IBAMA de gente que desrespeitava algumas leis ambientais, por exemplo, fazer plantação no banhado.
Contrários às reclamações de alguns moralistas e alguns vizinhos ranzinza, os comerciantes dos arredores não têm nada contra o clube, e a maior parte da população também não. Até mesmo os policiais concordam que o lugar é muito tranqüilo, tendo registrado apenas duas ocorrências ali nestes 17 anos.
O documentário consiste básicamente em entrevistas de alguns fãs do clube, que o conhecem desde seu nascimento, e com certeza foram as pessoas que fizeram do Curupira o que ele é.
A grande maioria das imagens de shows colocadas no vídeo, por algum motivo, é das bandas que vieram de fora, e não se vê quase nada de apresentações dos meninos da região – apesar de serem eles que animam o público na maioria das vezes, e de eles serem também o público.

Mesmo assim, Gustavo fez este vídeo com olhos de apaixonado, orgulhoso – como todos os freqüentadores - por ser parte de um lugar que representa tanta liberdade.


OBS: O vídeo pode ser assistido em três endereços na internet, sendo o primeiro o mais recomendado.

www.myspace.com/kalystuart
www.myspace.com/curupirarockclub
http://video.google.com/videoplay?docid=7833371858050163891&q=curupira+documentario&total=1&start=0&num=10&so=0&type=search&plindex=0



REFERÊNCIAS


· www.wikipedia.org

· www.underfloripa.com.br

· www.myspace.com/kalystuart

· www.myspace.com/curupirarockclub

· www.curupirarockclub.com

· www.mundo47.wordpress.com




OBS2: Não me entendi direito com essa formatação de blog aí, não levem a mal se ficar meio esquisito...

~

20071005

Dogtown e os Z-boys


“Skaters by their very nature are urban guerillas:
they make everyday use of the useless artifacts
of the technological burden, and employ the handiwork
of the government/corporate structure in a thousand
ways that the original architects could never dream of.”
Craig Stecyk

Ao final dos anos 60, Venice Beach - Los Angeles era um bairro que fugia ao sonho americano. O cemitério de um antigo paraíso turístico era o cenário diário de quem vivia em Dogtown, região cercada pelos escombros de um antigo balneário. Habitada por famílias que não se enquadravam no padrão funcional, Dogtown criou uma geração um tanto peculiar.
A prática de surfe comum em toda Los Angeles tinha naquela região um significado completamente diferente. Os escombros dos antigos piers, tornavam o esporte muito mais perigoso do que o normal, arriscar a vida era parte integral do surfe e portanto havia um controle de quem tinha o direito de surfar. Era necessário provar-se competente, o que tornava motivo de orgulho surfar nas praias de Dogtown.
O comportamento transgressor era uma marca registrada, não havia limites para surfar, todo esse empenho fez de Dogtown uma cede para experimentos no desenvolvimento de pranchas. E a loja Zephyr se tornou uma cede para os que vieram a ser chamados Z-boys. A loja passou a ser uma espécie, pouco tradicional, de creche para as crianças que não tinham em casa figuras paternas muito presentes.
O skate era considerado nos EUA nesse momento, uma brincadeira de criança. Mas em dogtown era uma alternativa para a falta de ondas. Os garotos passaram a incorporar as manobras de surfe no Skate e criaram seu próprio estilo. A equipe Zephyr mostrou em sua primeira competição toda uma nova concepção de estilo, buscando a todo momento quebrar estigmas.
O documentário de Stacy Peralta, um dos principais Z-boys mostra como o skatimo em seu registro transgressor é uma forma de arte. O skatista passa a usar o ambiente de formas nunca antes imagináveis. Os Z-Boys foram os primeiros a tentar incorporar beleza ao movimento, antes, o esporte não passava de uma brincadeira de equilíbrio, em Dogtown ele busca o extremo através da fluidez do surfe.
A arte da prática do skate esta na capacidade de se adequar às adversidades. A seca nos EUA no começo dos anos 70 obrigou muitas piscinas de Los Angeles serem esvaziadas. Os Z-boys encontraram nas piscinas vazias a mímese da onda para o skate. Era comum invadir casas de bairros mais abastados para andar de Skate na piscina, a emoção era múltipla, a piscina proporcionava toda uma oportunidade de novos movimentos enquanto havia o perigo constante de ser pego invadindo e destruindo propriedade privada.
O documentário segue falando da popularização do esporte, de como os Z-boys deixaram o gheto e se tornaram famosos, como o impulso inicial da contra-cultura se perdeu com a comercialização da imagem de cada um deles. Mas aborda na individualidade de cada um, uma contribuição ao estilo e atribui à Dogtown a verdadeira criação do esporte.
O filme é composto por depoimentos atuais da maior parte dos Z-boys e por filmes e fotos da época. Um dos maiores colaboradores é Craig Stecyk que desde o principio documentava o skatismo em Dogtown. Craig se tornou um dos maiores jornalistas sobre o estilo, sendo capaz de abordar a essência do esporte através de imagens e palavras.
Stacy Peralta é com certeza a pessoa mais indicada para falar sobre o assunto, o mais empenhado dos Z-Boys, Stacy estava entre os melhores skatistas do grupo, mas sempre se interessou em tirar proveito maior do esporte, além da fama e do dinheiro. Stacy formou sua própria equipe e passou a filmar o esporte. Depois desse documentário ele ainda escreveu uma ficção baseada em sua história chamada “Os reis de Dogtown”. No entanto, todo estilo que Peralta tem em cima das rodas não corresponde ao seu domínio cinematográfico.
O filme tem uma linguagem videoclíptica onde as imagens são mostradas rapidamente, numa tentativa falha de demonstrar a radicalidade do esporte simbolicamente. Ele se torna muito indutivo e didático pela trilha sonora e pela narração, até melodramático em alguns momentos. Mas o assunto fala por si só, sua beleza é evidente. E o didatismo algumas vezes se faz necessário, pois não se pode esperar do espectador entender todos os desafios ultrapassados em cada manobra.
No entanto a abordagem antropológica é simples e muito eficiente. Os Z-boys não são vitimisados por sua origem simples e pela infância marginal. Assuntos como drogas são tratados com muita naturalidade, porque assim se passava no dia a dia em Dogtown.
O documentário é bastante esclarecedor sobre essa vertente da contra cultura dos anos 70 e é capaz de explicar para o público leigo, com o devido distanciamento histórico, sua porção poética.

Olhares sobre o olhar: “Janela da Alma”

J

oão Jardim estudou cinema na Faculdade da Cidade e na Universidade de Nova York, iniciou sua atuação profissional como técnico de edição na área de publicidade e na rede Globo. Nesta dirigiu Engraçadinha, fez assistência de direção para diversos longas, e na área dos documentários participou como editor de diversos filmes dirigidos por Walter Salles. Janela da Alma é sua estréia como diretor de longa metragem para o cinema.

W

alter Carvalho começou sua carreia no cinema como assistente nos filmes do próprio irmão, o documentarista Vladimir Carvalho. Sua formação de fotografo abriu caminho também para a fotografia no cinema, área na qual a partir de Boi de Prata se estabeleceu como um respeitado profissional da área. Trabalhou com propaganda e também passou pela rede globo. Fotografou diversos longas como Terra Estrangeira, Central do Brasil, Abriu despedaçado e lavoura arcaica.


“O olho abraça a beleza do mundo inteiro. É janela do corpo, por onde a alma especula e frui a beleza do mundo. O que há de admirável no olho é que através dele – de um espaço tão reduzido – seja possível a absorção das imagens do universo. De sorte que esse órgão – um entre tantos – é a janela da alma, o espelho do mundo” como disse certa vez Leonardo da Vinci, frase que não só inspirou o nome do documentário, como é premissa que fundamenta o filme. Este apresenta diversas opiniões sobre o ato de olhar. E nos leva a conhecer diversos personagens com as mais diversas condições visuais. São 19 entrevistados: do cineasta Wim Wenders ao escritor José Saramago, da miopia à cegueira. Cada qual nos apresenta sua forma peculiar de ver e não ver.

Os entrevistados são apresentados por uma pequena legenda, e logo começam a expressar suas experiências com o ver. O filme consiste nessas diversas entrevistas que são entre cortadas por diversas experimentações visuais, e mesmo as entrevistas em si passam diversas vezes de focadas, para desfocadas e retornam a serem focadas.

A fotografia é um dos pontos altos do longa, sendo ela especialmente explorada pelos autores em seus experimentos visuais. A cada quadro, a cada seqüência desfocada essa característica se faz presente, o que torna mais vivido o discurso de cada entrevistado e mais clara a intenção dos diretores.

A trilha sonora é simples, e cumpre um papel também básico de consolidar sensações, sem em momento nenhum ser o condutor da ação ou idéia, ou emoção sugerida, sempre dando espaço para as imagens conduzirem todo o tipo de mensagem do filme, estas que são as verdadeira “atrizes principais” conduzem o espectador por todo o trajeto proposto.

As entrevistas se entrecortam, se retomam e se ligam umas as outras formando um rede de teorias, vivências e sensações únicas sobre o olhar, desde a experiência bem sucedida de paquera do músico Hermeto Paschoal, as explanações de Saramago sobre a caverna de Platão.

E do cotidiano, Jardim e Carvalho nos leva por saborosos questionamentos filosóficos que são embasados pelas imagens, cortes e enquadramentos e como poucos na filmografia brasileira trazem a tona questões caras a ciência e a filosofia ocidental. A realidade do visível, a validade desse sentido como meio de revelar o real, e mesmo questões fisiológicas do funcionamento do olho.

A abordagem também flerta com a psicologia, quando a cineasta Marjut Rimminen fala de sua formação e comenta suas criações obscuras. O filme fala do trauma, mas também da exemplos de convivência com a visão limitada ou adulterada menos pesadas como é o caso do músico Hermeto Paschoal, que logo no inicio comenta sua visão como sendo “muito rica”.

A intenção dos autores, que se desenha durante todo o longa sem se impor ao expectador, talvez seja a demonstração de como o ver é um habito cultural, e que é condicionado, e depende da vivencia. Talvez o filme “soe” como um grito de libertação para formas alternativas de ver, de ser visto e de vivenciar a experiência visual.


Túmulo do samba


“Quando eu vi
Que a festa estava encerrada
E não restava mais nada
De felicidade
Vinguei-me nas cordas
Da lira de um trovador
Condenando o teu amor
Tudo acabado”

(trecho de “Divina dama”, de Cartola)

O filme inicia com a câmera trêmula, a expressão inconsolada em preto-e-branco das pessoas ao redor do caixão coberto pelas bandeiras do Flamengo e da Mangueira misturadas a cenas do filme “Brás Cubas”, de Júlio Bressane, e a voz de Cartola narrando sua própria história.

A idéia dos diretores Lírio Ferreira e Hilton Lacerda era apresentar uma narrativa diferente, um documentário não somente biográfico, mas que contasse a história do país, ou pelo menos, uma parte dela, da qual fez parte um dos maiores representantes da cultura popular brasileira. O filme é inteiro fragmentado, possui uma linha cronológica não-linear e constrói a trajetória do sambista, narrada por ele, de forma irregular, com imagens que transitam entre o real e a ficção. Os fragmentos concedem uma cadência ao filme, que se torna metalingüístico, pois fala do samba, mais do que qualquer outra coisa.

O diretor Lírio Ferreira, de “Árido Movie”, trabalha novamente ao lado de Hilton Lacerda, roteirista de “Amarelo Manga”, “Baixio das Bestas”, entre outros. Este é o primeiro longa de Hilton, que estréia na direção com um trabalho completamente autoral.

O filme transpõe o limite entre gêneros, já que mescla cenas documentais e ficcionais, alternando o tempo todo sua linguagem cinematográfica. “Cartola” está longe de ter um olhar naturalista; as imagens são por vezes desconexas, mas convergem numa narrativa permeada por insinuações políticas, embora bem sutis, e por situações mais abrangentes do que a mera ilustração da vida do personagem.

Segundo Hilton Lacerda, as imagens ficcionais foram criadas “para dar clima ao filme e para preencher espaços vazios”. A intenção era fazer uma reconstrução afetiva da história do personagem, mais do que ser fiel à cronologia dos acontecimentos. Os depoimentos, ao contrário das imagens mais “poéticas”, são enquadradas de forma tradicional, apenas cumprindo sua função narradora.

O filme possui apenas um problema: a tentativa de desmistificação do personagem acaba sendo prejudicada pelo detalhamento exacerbado de sua personalidade e acaba por cair no mito novamente. Apesar disso, o filme não falha em salientar a importância de Cartola na nossa formação cultural, através da diversidade mostrada na tela.

A narrativa se divide em duas partes: a juventude de Cartola e os primeiros passos do samba no Rio de Janeiro, a vida boêmia do compositor, a formação da Mangueira e os depoimentos daqueles que conheceram e se relacionaram com Cartola. A segunda parte mostra o período conturbado do personagem (transformado em imagem através de uma tela negra que aparece em determinados momentos), que teve como ápice o afastamento da Mangueira. A seqüência inicial mostra o enterro do compositor, ao som de “Divina Dama”, cantada por ele; a opção pela narrativa póstuma provém da coincidência cronológica: Cartola nasce no dia em que morre Machado de Assis, também pobre, também carioca, também uma das maiores influências culturais brasileiras. Cartola morre e leva com ele o samba, que jamais foi representado com maior simplicidade e excelência. Talvez seja por isso que um filme sobre um personagem cuja grandeza não pode ser contida na tela exija de nós um olhar diferente.

CARTOLA

Direção e roteiro: Lírio Ferreira e Hilton Lacerda

Direção de Fotografia: Aloysio Raulino

Montagem: Mair Tavares, Rodrigo Lima e Lessandro Sócrates

País: Brasil

Idioma: Português

Gênero: Documentário

Tempo de duração: 88’

Ano de lançamento: 2006

Estúdio/Distribuidora: Europa Filmes

Elenco: Cartola, Nelson Motta, Nelson Sargento, Marcos Paulo Simão

20071003

Eu e a Carla tivemos uma idéia pra agitar esse blog: concursos culturais, yeah, pesamos em concursos temático, para testar nossa idéia maravilhosa decidimos unir o útil e o agradável, as resenhas da N1 de vídeo I podem muito bem se degladear por um prêmio, possivelmente um DVD Versatil (estou conversando com meu distribuidor) mas é provável que role numa boa.

Logo vira mais detalhes, como as regras detalhadas e o cronograma.